Os consumidores estão “irritantemente otimistas”?

  • Margarida Peixoto
  • 8 Abril 2017

Marcelo acusava Costa de "otimismo crónico" e "ligeiramente irritante". Agora são os consumidores que estão com níveis de confiança em máximos desde 2000. O primeiro-ministro contagiou os portugueses?

O primeiro-ministro tem mantido uma atitude otimista e confiante em relação ao andamento da atividade económica.Fotomontagem: Raquel Sá Martins

Um primeiro-ministro com “otimismo crónico” e “ligeiramente irritante”. Foi assim que Marcelo Rebelo de Sousa descreveu a atitude do primeiro-ministro. Foi quase há um ano que o Presidente da República caracterizou o “espírito habitual do senhor primeiro-ministro”. Dizia Marcelo Rebelo de Sousa que António Costa tem um “otimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante”. Estávamos em maio de 2016. Agora, em março de 2017, o Instituto Nacional de Estatística (INE) dá conta de consumidores cada vez mais confiantes: o índice atingiu o valor mais elevado dos últimos 17 anos. Porque é que os consumidores sorriem? Estarão “irritantemente otimistas”?

O ECO mergulhou nos subíndices do INE para perceber exatamente o que motiva a confiança dos consumidores. E falou com dois economistas e um politólogo para avaliar se há motivos para tamanha alegria, ou se, pelo contrário, a euforia pode ser excessiva. Primeiro os números.

Os dados do INE mostram uma melhoria generalizada dos índices de confiança — é visível na situação financeira das famílias, nas perspetivas de capacidade de compra, na capacidade de poupança, nos preços, na situação do mercado de trabalho.

Confiança dos consumidores

Médias móveis de três meses. Fonte: INE

Mas há três subíndices em particular que mostram um otimismo mais evidente: os valores de março de 2017 estão ao nível dos números do ano 2000. São eles:

1 – A situação financeira do agregado familiar

Os valores são expressivos tanto na avaliação dos últimos 12 meses, como nas expectativas sobre o próximo ano. Na avaliação do passado, é preciso recuar a outubro de 2000 para encontrar um valor melhor do que o registado em março de 2017. Sobre as perspetivas futuras, é possível recuar a maio de 2000 sem encontrar um valor mais elevado do que o verificado agora.

2 – A situação económica do país

Quando a questão se coloca sobre as perspetivas de evolução da economia portuguesa nos próximos 12 meses, a confiança dos consumidores está ao nível de dezembro de 1999. Se a pergunta for sobre os 12 meses passados, a otimismo é igualmente exuberante: é verdade que o valor de fevereiro era ligeiramente mais elevado do que o de março, mas estes níveis não têm comparação em toda a série do INE.

Médias móveis de três meses, situação económica do país ajustada de sazonalidade. Fonte: INE

3 – O mercado de trabalho

As perspetivas sobre o mercado de trabalho são positivas. A série do INE, que começa em setembro de 1997, não tem nenhum valor tão favorável como o registado em março de 2017.

Perspetivas quanto à evolução do desemprego. Quanto mais elevado é o valor, mais elevado é o sentimento de risco de desemprego. Fonte: INE

Há razões para sorrir?

Sim. Tanto os economistas ouvidos pelo ECO, como o politólogo, reconhecem que há motivos de facto para um aumento de confiança por parte dos consumidores. O que não é propriamente o mesmo que dizer que já está tudo bem, que as famílias não sentem dificuldades ou, até, que a predisposição para comprar é idêntica à observada nos anos 2000.

“A melhoria de confiança acaba por não se refletir no índice de bem-estar”, diz Paula Carvalho, economista-chefe do departamento de research do BPI. “Não significa uma situação excecional das famílias, significa apenas que, em comparação com o passado recente, estão melhores”, explica. Ou seja, os dados devem ser lidos em comparação com a crise vivida no período do programa de resgate da troika, quando havia perda de rendimentos e muita incerteza sobre os rendimentos futuros.

“Não significa uma situação excecional das famílias, significa apenas que, em comparação com o passado recente, estão melhores.

Paula Carvalho

Economista-chefe do departamento de research do BPI

Miguel Saint-Aubyn, economista e professor catedrático no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), recomenda cautela na comparação destes números com os anos 2000. “Estamos a traduzir quantitativamente estados de alma”, avisa, duvidando que seja legítimo, à boleia destes números, afirmar que a predisposição para consumir hoje seja idêntica à verificada há 17 anos.

Ainda assim, há motivos que explicam porque é que os consumidores “estão mais bem-dispostos” agora do que no passado recente, corrobora. Houve reposições salariais na Função Pública, a redução da sobretaxa, o aumento do salário mínimo, o emprego está a crescer, a inflação e os juros estão baixos.

António Costa não contagiou os portugueses?

Sim e não. “Os indicadores de saliência positivos sobre a economia portuguesa têm algum impacto, mas globalmente, os índices de confiança remetem para o rendimento acrescido e a perspetiva de rendimentos acrescidos”, responde o politólogo António Costa Pinto.

"[O discurso do Governo] É um discurso que explora a melhoria dos indicadores.”

António Costa Pinto

Politólogo, investigador do Instituto de Ciências Sociais, professor no ISCTE

“Não quer dizer que o discurso político não ajude, mas é o discurso político associado à melhoria dos indicadores que tem impacto. É um discurso que explora a melhoria dos indicadores”, explica. Costa Pinto frisa ainda que “não se trata apenas da perceção dos rendimentos disponíveis”, mas também “da expectativa da evolução” desses rendimentos. E é aqui que a realidade se cruza com as promessas do Governo. Os consumidores acreditam que “os salários não vão baixar e que os impostos não vão subir”, concretiza.

Haverá euforia excessiva?

Por enquanto, os economistas não veem sinais disso, embora avisem para os riscos. “O consumo das famílias está neste momento a alcançar os níveis anteriores à crise, está em níveis de 2008. Não me parece euforia excessiva”, avalia Paula Carvalho. Mesmo a evolução do consumo privado, a especialista nota que reflete sobretudo as quebras muito acentuadas do período da crise, nomeadamente com o adiamento da compra de automóveis.

Venda de automóveis ligeiros e todo-o-terreno

Fonte: ACAP

“Nota-se uma dinâmica muito favorável nas exportações”, defende Paula Carvalho, lembrando que basta economias como a angolana estabilizarem para isso ter um impacto positivo. “Não vemos sinais da economia a desacelerar agora”, corrobora Miguel Saint-Aubyn.

Mas isso não quer dizer que não haja riscos. “Há sempre velhas sombras no horizonte”, reconhece o professor catedrático. Paula Carvalho também não dá por garantido que os fatores que colocaram os portugueses a sorrir sejam sustentáveis. Preocupa-a sobretudo a taxa de poupança das famílias, que está em níveis muito baixos.

Taxa de poupança das famílias

Fonte: INE

Mas há mais riscos de ver a confiança esmorecer. Por exemplo, pela própria construção da forma como é medido o crescimento económico, matematicamente será mais difícil manter o ritmo de crescimento no segundo semestre deste ano, quando houver que comparar com a segunda metade de 2016, quando a economia já estava mais dinâmica.

Isso, associado aos riscos da conjuntura internacional e à dissipação de alguns fatores de suporte do crescimento — como é o caso do efeito das reposições salariais — leva a que o Fórum para a Competitividade, na sua última nota de conjuntura, tenha alertado para a possibilidade de o primeiro trimestre de 2017 vir a ser o melhor do ano.

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