Governo dá garantia ao Lone Star? É um imbróglio jurídico

  • Margarida Peixoto
  • 7 Abril 2017

Se o mecanismo de capitalização contingente incluído no acordo de venda do Novo Banco for considerado uma garantia, há forte probabilidade de a medida esbarrar na lei do Orçamento do Estado.

Mário Centeno e António Costa na conferência de imprensa sobre a venda do Novo Banco.Paula Nunes/ECO

No dia em que anunciou o acordo para a venda do Novo Banco ao Lone Star, o primeiro-ministro frisou: “Não é concedida qualquer garantia por parte do Estado ou qualquer outra entidade pública.”

Mas não há um “mecanismo de capitalização contingente” em que o Fundo de Resolução garante injetar dinheiro no banco, sob determinadas condições? Há, assumiu o Executivo, mas isto não é o mesmo que prestar uma “garantia”, reforçou. E faz diferença? Faz, faz toda a diferença. Se fosse uma garantia prestada pelo Fundo de Resolução, haveria uma forte probabilidade de ser preciso mexer na lei do Orçamento do Estado — um confronto político que poderia não correr bem ao Governo.

Esta podia ser apenas uma história clássica de léxico económico-jurídico — os contornos são semelhantes à velha questão de 2009, quando Teixeira dos Santos era ministro das Finanças, e de um dia para o outro se tornou determinante distinguir entre Orçamento Retificativo, Orçamento Redistributivo e Orçamento Suplementar.

Mas a diferença é que, neste caso, as consequências poderiam ir além da escolha de palavras e do desconforto político. O Executivo arriscava-se a ver uma das condições previstas no acordo com o Lone Star chumbada no Parlamento, comprometendo a venda do banco.

A questão está em saber se o “mecanismo de capitalização contingente” que faz parte do acordo de venda configura uma garantia pública, ou não. Não é só um detalhe: é importante porque, não sendo uma garantia pessoal do Estado, a lei do Orçamento do Estado de 2017 prevê um limite demasiado baixo para acomodar este compromisso. No número 5 do artigo 112º da lei consta que “o limite máximo para a concessão de garantias por outras pessoas coletivas de direito público é fixado, em termos de fluxos líquidos anuais, em € 110.000.000.” De acordo com o sítio online do Fundo de Resolução, este é “uma pessoa coletiva de direito público.”

Mesmo que se admitisse o limite anual imposto ao mecanismo de capitalização contingente de 850 milhões de euros, conforme confirmou o secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix, em entrevista ao Jornal Económico (acesso pago), o montante não seria suficiente. Também se poderia argumentar que a probabilidade de acionar este mecanismo só se materializa em 2018, podendo, nesse caso, o limite ser aumentado na lei do Orçamento do Estado do próximo ano. Mas a questão seria sempre duvidosa, porque o compromisso é assumido este ano.

A interpretação do Executivo é a de que este mecanismo não consiste numa garantia porque o Fundo de Resolução não se responsabiliza por assumir as perdas do banco. O Fundo assume antes a responsabilidade por reforçar o capital do Novo Banco na exata medida em que essas perdas tenham prejudicado os rácios de capital, por referência a um determinado patamar.

Tendo em conta que os detalhes deste acordo ainda não são conhecidos, não é possível avaliar, à luz das regras europeias, se de facto este mecanismo escapa ao conceito de garantia. Três especialistas em contas públicas ouvidos pelo ECO, e que pediram para não ser identificados, reconheceram que é uma questão jurídica difícil.

O próprio Manual do Défice e da Dívida do Eurostat não permite dissipar as dúvidas, antes as adensa: “As entidades públicas podem prestar garantias em ativos detidos por outras entidades como parte da sua atividade normal ou no contexto de políticas públicas. Neste caso, a entidade pública assume o compromisso de cobrir as perdas relacionadas com o decréscimo do valor dos ativos ou das insuficiências na recuperação, com várias formas de ativar as obrigações da entidade que presta a garantia“, lê-se no documento.

O ECO tentou esclarecer o assunto junto do Ministério das Finanças, mas ainda não foi possível obter resposta. Contactado, o Eurostat recusou comentar por se tratar de uma operação que será concluída em 2017 e que, por isso mesmo, só será analisada no âmbito da notificação de abril de 2018.

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