Valadares morreu, renasceu e já fatura milhões

A braços com um passivo de 90 milhões de euros, a Cerâmica de Valadares fechou portas. Dois anos depois reabriu e hoje fatura 5 milhões de euros e emprega 100 pessoas. O futuro passa por crescer.

São oito da manhã na pequena vila de Valadares, concelho de Vila Nova de Gaia. Entoam as sirenes da Arch, ex-cerâmica de Valadares, outrora o maior ganha pão da região, que voltou a laborar. Os trabalhadores — em menor número, é certo — entram apressados a fazer recordar outros tempos. A empresa que chegou a faturar 25 milhões de euros e a empregar 650 trabalhadores e que, em 2012 se viu a braços com um processo de insolvência, renasceu das cinzas.

Hoje, dois anos depois de ter voltado a trabalhar e, apesar de ainda longe dos números e da azáfama de outros tempos, vai calcorreando caminho e (re)conquistando o seu espaço. Rui Castro Lima, o administrador de insolvência, teve um papel fundamental no processo: encontrou uma empresa pronta a “arrancar no dia seguinte, com um número significativo de pessoas interessadas em mantê-la a trabalhar, desde que houvesse quem quisesse pegar nisto”, realça Henrique Barros, atual CEO da empresa e um dos três ex-quadros desafiados pelo administrador de insolvência a estudarem a viabilidade da Valadares.

Arch Valdares

Os três engenheiros (Henrique Barros, Rocha Ferreira e Jorge Borges) escolhidos pelo administrador de insolvência defenderam a viabilidade da Valadares, ou melhor, uma nova empresa que ficasse com a marca Valadares. O argumento era de que o know how estava lá: a escola — porque a Cerâmica de Valares era uma escola para o setor — continuava a existir, mas o passivo superior a 90 milhões de euros tinha de sair.

Estava dado o mote para a criação de uma nova empresa, uma nova realidade empresarial e uma nova filosofia na componente do mercado. Mas os tempos não eram de facilidades. Em 2013, a economia portuguesa estava a atravessar uma grave crise — com a troika em Portugal –, e o capital escasseava. Ainda assim, a equipa de gestão consegue encontrar um grupo de dez investidores, entre os quais ex-quadros da empresa, o que acabou por dar alguma confiança aos investidores que vinham de fora. A equipa de gestão assumiu 12% do capital.

Os astros pareciam finalmente alinhados: os trabalhadores abdicavam de 50% dos créditos que tinham junto da Cerâmica de Valadares (no total eram 10,5 milhões de euros) e o principal credor da empresa, o BCP (74,2 milhões de euros), não se opunha à solução encontrada.

Nasce a Arch

A nova empresa, a Arch – Advanced Research Ceramic Heritage, contrata inicialmente vinte pessoas — todas ex-trabalhadores da antiga fábrica e ocupa, por aluguer, as ex-instalações da centenária Cerâmica de Valadares. O contrato com a massa insolvente prevê o aluguer do espaço pelo período de cinco anos. A Arch ficou também na posse do stock que existia, na ordem dos seis milhões de euros, tendo, no entanto, que entregar à massa falida 30% do valor gerado.

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A empresa tinha reunido 500 mil euros de investimento e o compromisso por parte dos investidores de estarem cinco anos sem receberem dividendos. Hoje a Arch já investiu perto de 1,2 milhões de euros, entre “a ampliação de algumas áreas e marketing, uma vez que trabalhamos com o cliente quase final, e isso obriga a um esforço significativo de promoção da empresa”, explica Henrique Barros.

A Arch só arrancou com a produção industrial propriamente dita três meses depois do arranque. E as 20 pessoas inicialmente contratadas cresceram para as 85 pessoas no final de 2015, e perto de 100 em dezembro de 2016.

A estrutura de pessoal foi crescendo sobretudo com ex-quadros, não porque esse fosse um compromisso assumido mas porque são pessoas com uma experiência única neste tipo de atividade.

Henrique Barros

CEO da Valadares

O presidente da Arch destaca que, “das 300 pessoas que ficaram no desemprego, cerca de 1/3 foram reabsorvidas”. Henrique Barros assinala ainda o papel dos ex-colaboradores da Valadares, que “aprovaram o plano por unanimidade, mesmo sabendo que nunca poderiam ser todos contratados”.

Investimento de 12 milhões

O plano de viabilidade da Arch Valadares era constituído por duas fases. Com a primeira em fase cruzeiro, seguiu-se a segunda, que passa pelo investimento numa nova unidade industrial. No total serão entre 10 a 12 milhões de euros de investimento, dependendo do sítio onde a fábrica vier a ser constituída. O interesse é que a nova fábrica fique instalada em Valadares ou, pelo menos, em Gaia. “Não está fora de questão que venhamos a ficar aqui onde estamos porque espaço existe. É preciso é que existam condições contratuais de aquisição que não travem o processo”.

Henrique Barros fala de uma nova era. “Estamos a entrar numa nova fase que vai obrigar a um aumento de capital e a uma nova arrumação da estrutura societária da empresa”. A entrada de novos sócios não está também posta de parte: “Temos sido abordados por eventuais investidores, o que demonstra que o que estamos a fazer é bem feito”. Também o recurso a crédito não está posto de parte. “Todas as opções estão em aberto: a fábrica terá muita aptidão para ser apoiada em termos de fundos, sendo também elegível em muitos aspetos. Logo, o financiamento deve ser dividido entre apoio bancários, financiamento externo e aumento de capital”. E atira: “Isto claro, se não formos comprados entretanto”.

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Quem quer comprar a Arch Valadares?

Henrique Barros nega e adianta: “Isso é um processo que nem interessaria, todos os que estamos envolvidos defendemos que devemos ver o final da linha. Queremos entregar a carta a Garcia, ou seja, pegamos numa empresa que estava descredibilizada e queremos que volte a brilhar por mérito próprio e não porque tem alguém atrás”.

A Arch Valadares produz atualmente 120 a 140 mil peças por ano, estando previsto que cheguem às 250 mil peças. Com a nova fábrica, o presidente da empresa diz que a Valadares poderá chegar a uma produção de 500 mil peças anuais. Henrique Barros destaca ainda que um dos objetivos da equipa é chegar e falar de Portugal. “Queremos dizer que é tudo feito em Portugal e que, mesmo no caso das componentes metálicas — que não são produzidas por nós –, fazemos questão de ter fornecedores portugueses ou, pelo menos, europeus”.

Com um volume de faturação previsto de 5 milhões de euros para este ano — mais do dobro dos dois milhões registados no ano passado –, cerca de 50% deste valor é realizado fora de portas. A empresa está a exportar para a Europa — Espanha, Itália, Inglaterra e França, países já com alguma dimensão, são os principais mercados mas ainda para a Roménia e Grécia, bem como para o Médio Oriente. “Noutros tempos foi uma área em que tivemos enorme sucesso e que conseguimos recuperar devido à boa imagem que deixámos”. Henrique Barros salienta ainda que o “Médio Oriente foi inclusivamente a primeira área para onde exportámos, exatamente porque tínhamos deixado um rasto de qualidade e de prestígio. Hoje já estamos também na África do Sul e na Austrália, os clientes sabem que temos qualidade”.

Agora o desafio está na produção de novos produtos. Henrique Barros diz que a empresa tem de se afirmar pela produção de novos produtos. “Hoje já temos 15% das vendas que resultam de produtos criados e desenvolvidos por nós. Com uma imagem mais ambiciosa do ponto de vista do design, desenvolvemos um novo material cerâmico, usado em áreas mais técnicas como os hospitais, laboratórios, etc.”.

Quanto às banheiras, continuam a não ser produzidas em cerâmica e portanto, não são made in Valadares. “Ninguém faz, se um dia conseguirmos fazer arriscamo-nos a ser os primeiros”, refere o presidente.

Para Henrique Barros, o material cerâmico faz o fator que faz toda a diferença. Sobretudo, quando está em causa “o nosso material cerâmico sobretudo”, que conta com 20 anos de garantia. “Temos produtos instalados há mais de 60 anos, e isso dá-nos algum conforto. Se bem que, se não se estraga não se vende mais”, reconhece, adiantando no entanto que se trata de “uma guerra positiva”. “Não temos medo dela: o desafio é exatamente o de perceber que produto novo é que vem a seguir para tirar o lugar ao produto que lá estava da concorrência”.

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Para o presidente da empresa, este é um processo que anima a equipa inteira. “Somos uma sociedade que desenvolve os produtos todos no seu seio, desenvolve inclusive alguns equipamentos e engenharia”.

A luta centra-se agora num novo patamar. A Arch quer ir ao mercado com produtos de média e alta gama, que “remunera melhor o esforço que se faz em relação aos novos materiais”. Assumidamente uma pequena empresa no competitivo setor da cerâmica, a Arch Valadares tem na Roca, um dos maiores player mundiais, o seu maior concorrente.

80% em exportações, 15 milhões em faturação

Para onde caminha a Valadares? Henrique Barros não tem dúvidas: daqui a quatro ou cinco anos, a empresa tem de ter uma presença internacional muito forte, com “um peso de 80% no mercado internacional. E temos de estar a faturar 15 milhões de euros”. Henrique Barros diz que “tudo vai depender do valor acrescentado que consigamos atribuir aos nossos produtos”. “O nosso objetivo é situarmo-nos num escalão superior e compararmo-nos com os melhores do mercado como a Duravit”.

Para atingir estes números o presidente da Valadares diz que a empresa vai precisar de 250 pessoas. “Para já estamos a contratar com alguma contenção porque temos de colocar a nossa equipa a produzir com um nível de produtividade mais elevado do que aquele que existia”.

Arch ao longo dos anos

  • 2012. Cerâmica de Valadares é declarada insolvente
  • 2013. Administrador de insolvência faz proposta à atual gestão para elaborar plano de viabilidade
  • 2014. Setembro. É constituída a Arch Valadares
  • 2015. Primeiro exercício da Arch Valadares
  • 2016. Faturação prevista de 5 milhões de euros

 

Um diretor de produção austríaco

Robert Zibar é o novo diretor de produção da Arch Valadares. O austríaco tem um currículo que conta com passagens nas melhores empresas de cerâmica do mundo. Esteve na Rússia, Suíça em Espanha e… foi oferecer-se à Valadares. Porquê?

A história foi contada, ao ECO, pelo próprio. “Sou o último reforço da Valadares. Por que vim? Por amor”. Zibar casou-se com uma portuguesa com quem tem dois filhos e foi consolidando o desejo de vir para Portugal e juntar a família. Se assim pensou, melhor o fez. Zibar diz que viu na Arch um “enorme potencial”. E ofereceu-se para trabalhar. “Está tudo a correr bem: é um desafio muito grande, na medida em que trabalho com uma equipa muito experiente”, refere, para acrescentar: “No que depender de mim será um sucesso”.

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